«A arte parasita a vida, tal como a crítica parasita a arte.»
Harry S. Truman

sábado, 5 de novembro de 2011

Woyzeck


A sequência que abre a adaptação de Werner Herzog da famosa peça de Georg Büchner define e condensa todo o filme. O visceral sempre foi o modo de comunicação artístico mais directo, e talvez mesmo o mais eficiente. Mesmo que se trate, para nós, do primeiro contacto com Woyzeck, ao primeiro vislumbre de Klaus Kinski, espojado e espancado como um cão, atarefando-se numa sucessão de movimentos mecânicos como queijo atravessando o ralador, nós sabemo-lo então, sem sombra de dúvida, como se sempre o conhecêramos — aquele ou aquilo é Woyzeck. E em verdade, ele não pode deixar de nos ser familiar: Woyzeck é o homem antigo, e simultaneamente, a promessa do homem moderno, e o seu estrondoso fracasso.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Cisne Negro (2010)


Darren Aronofsky, juntamente com Gaspar Noé, Lars von Trier e Michael Haneke é um dos melhores cineastas independentes desta geração. Do conjunto, o seu cinema sempre se revelou, na falta de melhor expressão, o mais acessível e humanista.

Esta faceta sempre trabalhou a seu favor: a condição humana nos seus filmes, apesar de retratada com crueza, é também destilada com menos bílis que os seus colegas. Para Noé, Trier e Haneke, os protagonistas são cordeiros sacrificiais, a lançar na bocarra de um universo absurdo e cruel, para efeitos de estudo; para Aronofsky, eles são criaturas doentes e condenadas, cuja perdição se filma sem pestanejar, mas com compaixão. Contudo, Cisne Negro marca uma encruzilhada para o realizador: pois é simultaneamente o seu maior sucesso até à data, e a sua obra menos genuína.

sábado, 18 de junho de 2011

Glengarry Glenn Ross (1992)


Poucos temas tiveram tal ascendente sobre a ficção provinda dos EUA como o chamado "sonho americano". Este emergiu da necessidade inconsciente de um país jovem, em franco crescimento, de formar a sua própria identidade cultural e ética. Da Declaração de Independência à tarte de maçã, da Stars and Stripes à conquista do Oeste, o imaginário norte-americano, embora bebendo de várias influências, é sui generis, de um charme e carácter muito particulares

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Último Tango em Paris (1972)


Discutir o Último Tango em Paris exige, de certo modo, também uma discussão paralela, intersticial, da história hodierna do cinema, e dos próprios intervenientes no filme. Este, aquando a sua estreia, foi prontamente banido em vários países (incluindo Portugal), e produziu tanta comoção como lucro. A famosa crítica de Pauline Kael no The New Yorker anunciava então a alvorada de uma nova era para a sétima arte. Mas, decorridas que estão algumas décadas, deparamo-nos com uma paisagem cinematográfica que se esquivou de maneira hábil e trocista ao messianismo de tais arautos.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Zardoz (1974)


Uma enorme cabeça de pedra voga no ar, morosamente, em direcção à terra. Aí, acerca-se dela uma troupe de cavaleiros, envergando máscaras que nos fazem imediatamente pensar no deus bifauce dos romanos: Jano. Jano, aquele que contempla passado e futuro simultaneamente, e que dá também o mote da guerra.